quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Inconstante
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Nossos pequenos monstros
Entre as linhas absurdas que tracejo, talvez estejam escondidos monstros terríveis. Talvez, quem sabe, estes monstros sejam uma releitura de mim mesmo. Ou quem sabe uma releitura das criaturas que cercam o meu mundo.
Estão por todos os lados, em todos os cantos, superfícies e orifícios.
Sim, acredite! Podem estar agora mesmo atrás de você, do seu lado, na sua cama, no seu sofá, na sua sala, dentro das suas gavetas, do seu guarda-roupa, no seu sapato ou até mesmo dentro de você.
Eles, os monstros, são imprevisíveis. Atacam sorrateiramente enquanto você toma banho, come, estuda, dorme, namora... Enfim, eles atacam mesmo!
Não tenhamos medo, pois, um dia, não sobrará um sequer. Serão dizimados pelos antimonstros. E quem são os antimonstros? Posso ser um; você pode ser um; qualquer um que não seja um monstro, pra mim ou pra você, poderá ser um antimonstro.
Jônatas Mário Morais.
sábado, 5 de junho de 2010
Manhã de domingo
Corre por entre os colegas, amigos, vizinhos, até chegar aos pais. Abraça-os, mas não tem o retorno. Energia fora da matéria, essência fora de uma forma.
Percebe que não está mais ali: matéria, corpo, ser animado. Agora só está nas lembranças, nos momentos marcantes, e até mesmo nos instantes de dor.
Agora é o momento que antecipa o guardar, são as palavras que deveriam ser ditas ainda quando estava vivo, mas é tarde. Começa então a oratória, as palavras de consolo, o chorar dos compadres, o abraçar dos familiares, as palmas cada vez mais fortes.
Caminham até o corpo, fazem-lhe as últimas carícias, sussurram como se ele ainda estivesse presente naquela casca, molham-no com as lágrimas que escorrem rapidamente pelo rosto decadente. Admiram apenas o invólucro, a essência não está mais ali.
Depois do momento de despedida, chega então a hora do guardar. Firmemente seguram as alças, caminham até a gaveta, e vagarosamente guardam a caixa, e aos poucos jogam as flores. Então a gaveta é fechada. Abraçam-se simultaneamente, dividem a dor da perda, entendem que agora acabou, que é tarde para qualquer tentativa de desabafo, abraço, beijo sufocado.
Lembrarão para sempre deste momento, deixarão para sempre aquele ser ali, guardado, lacrado, sepultado.
Jônatas Mário Morais
sábado, 1 de maio de 2010
16 horas
Com a mão quente abraça o corpo da garrafa, vira-a aos poucos e a cerveja ocupa todo o espaço. Põe a garrafa sobre a mesa, e o copo em frente ao homem, que desarma a estrutura encarregada de sustentar o centro de um edifício em ruínas – um homem sem esperança. Segura o copo com apenas quatro dedos, leva-o até os lábios rachados, fecha os olhos, sente minuciosamente o sabor do liquido, que desce gelando o seu corpo, resfriando mais ainda o seu ser.
Põe o pequeno copo de cerveja sobre a mesa – sim, não foi aquele copo enorme de chopp, porque ele não queria embriagar-se, bebeu apenas um pequeno copo de cerveja gelada. Bebeu apenas um copo – sim, apenas um copo daquele líquido amarelo, espumoso, gelado, e que fazia com que o copo transpirasse, como o Ricardo.
Depois de ter colocado o copo sobre o balcão de madeira, observa o escorrer do líquido voltando aos poucos para o fundo do copo, formando um pequeno círculo de espuma, uma espuma bem fina, quase imperceptível. Porém, o Ricardo continuava transpirando, como o copo que já estava vazio. Mais vazio ainda estava o Ricardo – nunca vi um homem tão desgastado. Vira-se aos pouco para as outras mesas que estavam atrás dele – ele estava de frente para o balcão – paralisou-se, estava observando uma cena que sonhava em viver. Aos poucos aquele rosto cansado, opaco, sem vida, sem esperança foi dando lugar a um sorriso singelo.
O Ricardo estava encantado por aquela família, desejava a todo custo estar ali, como pai, como esposo, como homem. Mas não era possível. Sabia que não poderia ser um pai, ser esposo – como assim não poderia ser um pai, esposo e...? - Fiz a mesma pergunta a mim mesmo, e depois ao Ricardo.
Voltando ao seu estado de sofrimento, dor, medo e desespero – tudo isso perceptível com alguns olhares – Ricardo gaguejando, com lágrimas a ponto de escorrer e marcar aquele rosto, disse que acabou de vir do médico, um neurologista – assim que falou neurologista, espantei-me. Senti instantaneamente que não ouviria uma boa coisa.
Continuou a soprar pesadas palavras que o condenavam a morte. Declarou que o médico deu apenas uma semana de vida, ele tinha um tumor no cérebro, e que não podia ser operado por se tratar de um procedimento tido como fatal nas condições do Ricardo. Agora só restava aproveitar os últimos dias de sua vida, nada mais a fazer. Era apenas observar tudo o que ele não teria oportunidade de fazer, sonhar em ser pai, um esposo, um homem.
Eu, muito emocionado, abracei-lhe de lado, ombro a ombro apenas com o meu braço esquerdo. Como não sabia mais o que falar, saí sem fazer um barulho sequer, sem deixar pingar uma lágrima, sem ficar desnorteado, sem ficar abalado com tudo o que ouvi.
E o Ricardo? Continuou sentado. Voltou a sustentar o peso da cabeça, mas agora com as duas mãos.
E a cerveja? A cerveja estava quente.
Estavam lá: a cerveja e o Ricardo sobre a mesa de madeira, ambos quentes. Ela não servia mais, estava vencida. Ele com a validade se esgotando como quem esperasse a morte – mas ele estava esperando a morte – desarmou os braços e deitou a cabeça no balcão de madeira.
Jônatas Mário Morais