sábado, 15 de maio de 2010

Mais cedo ou mais tarde

São apenas galhos sendo movidos por ventos, sendo derrubado pelo tempo. É apenas uma árvore. Algumas folhas secas outras tão verdes. São apenas pássaros voando de galho em galho, planando no ar. São apenas nuvens brancas sendo movidas pelo vento, sendo carregadas a todo o momento. É apenas um céu claro. Algumas nuvens densas, outras tão pequenas. É apenas o sol iluminando, os galhos dançando, as nuvens se afastando. Apenas uma tarde. Apenas um momento. Tudo passará.



Jônatas Mário Morais

sábado, 1 de maio de 2010

16 horas

Estaciona o carro na frente do barzinho, coloca o terno no banco do carona, desce e caminha até o bar. Entra com a cabeça baixa, era visível o cansaço. Senta-se no canto do estabelecimento, num banquinho de madeira, duro, pesado, como todos os seus problemas. Coloca o cotovelo esquerdo sobre o balcão, também de madeira, e com a mão abraça a testa, os dedos sustentam a cabeça cansada. Levanta levemente a mão direita e mostra apenas um dedo ao garçom, pede uma cerveja.
Com a mão quente abraça o corpo da garrafa, vira-a aos poucos e a cerveja ocupa todo o espaço. Põe a garrafa sobre a mesa, e o copo em frente ao homem, que desarma a estrutura encarregada de sustentar o centro de um edifício em ruínas – um homem sem esperança. Segura o copo com apenas quatro dedos, leva-o até os lábios rachados, fecha os olhos, sente minuciosamente o sabor do liquido, que desce gelando o seu corpo, resfriando mais ainda o seu ser.
Põe o pequeno copo de cerveja sobre a mesa – sim, não foi aquele copo enorme de chopp, porque ele não queria embriagar-se, bebeu apenas um pequeno copo de cerveja gelada. Bebeu apenas um copo – sim, apenas um copo daquele líquido amarelo, espumoso, gelado, e que fazia com que o copo transpirasse, como o Ricardo.

Depois de ter colocado o copo sobre o balcão de madeira, observa o escorrer do líquido voltando aos poucos para o fundo do copo, formando um pequeno círculo de espuma, uma espuma bem fina, quase imperceptível. Porém, o Ricardo continuava transpirando, como o copo que já estava vazio. Mais vazio ainda estava o Ricardo – nunca vi um homem tão desgastado. Vira-se aos pouco para as outras mesas que estavam atrás dele – ele estava de frente para o balcão – paralisou-se, estava observando uma cena que sonhava em viver. Aos poucos aquele rosto cansado, opaco, sem vida, sem esperança foi dando lugar a um sorriso singelo.
O Ricardo estava encantado por aquela família, desejava a todo custo estar ali, como pai, como esposo, como homem. Mas não era possível. Sabia que não poderia ser um pai, ser esposo – como assim não poderia ser um pai, esposo e...? - Fiz a mesma pergunta a mim mesmo, e depois ao Ricardo.

Voltando ao seu estado de sofrimento, dor, medo e desespero – tudo isso perceptível com alguns olhares – Ricardo gaguejando, com lágrimas a ponto de escorrer e marcar aquele rosto, disse que acabou de vir do médico, um neurologista – assim que falou neurologista, espantei-me. Senti instantaneamente que não ouviria uma boa coisa.
Continuou a soprar pesadas palavras que o condenavam a morte. Declarou que o médico deu apenas uma semana de vida, ele tinha um tumor no cérebro, e que não podia ser operado por se tratar de um procedimento tido como fatal nas condições do Ricardo. Agora só restava aproveitar os últimos dias de sua vida, nada mais a fazer. Era apenas observar tudo o que ele não teria oportunidade de fazer, sonhar em ser pai, um esposo, um homem.
Eu, muito emocionado, abracei-lhe de lado, ombro a ombro apenas com o meu braço esquerdo. Como não sabia mais o que falar, saí sem fazer um barulho sequer, sem deixar pingar uma lágrima, sem ficar desnorteado, sem ficar abalado com tudo o que ouvi.
E o Ricardo? Continuou sentado. Voltou a sustentar o peso da cabeça, mas agora com as duas mãos.
E a cerveja? A cerveja estava quente.

Estavam lá: a cerveja e o Ricardo sobre a mesa de madeira, ambos quentes. Ela não servia mais, estava vencida. Ele com a validade se esgotando como quem esperasse a morte – mas ele estava esperando a morte – desarmou os braços e deitou a cabeça no balcão de madeira.


Jônatas Mário Morais