domingo, 5 de setembro de 2010

Ardente

Segue arrastando o velho par de chinelos ladeira abaixo.
Chuta cada pedra que encontra no caminho, sente uma a uma ferir os dedos.

Um senhor aparentando quarenta anos - jovem ainda - caminha pela vida sem destino. Mais um louco gastando chinelo na cidade. Mais um velho sem uma poltrona confortável. Deve ser mais uma criança abandonada, mais um jovem sem paixão, sem pais, sem afeto.
Agora vejo um quarentão acabado, sem fome de viver, sem pulso, com o corpo gelado. Percebo um corpo vazio, sem alma. Um quarentão sem ânsia de viver, amar, sorrir, dançar, pintar, escrever, namorar: ser feliz!

Senta na calçada, encosta o corpo velho numa árvore. Tira a cachaça de uma sacolinha rasgada, suja, fedorenta. Retira a tampa apressadamente, com a mão direita vira a garrafa na boca, com a esquerda segura a tampa - irá guardar alguns goles pra depois - engole o líquido ardente.
Só cachaça para esquentar-lhe o corpo.

Dentro do carro, enfrentando um engarrafamento tremendo, observei cada atitude daquele quarentão - estou chutando a idade - mas aos poucos me distancio dele, o engarrafamento vai acabando e eu vou seguindo.
Para trás ficou uma criança, um jovem, um quarentão. Um velho sem alma, sem fome, mas com cede de cachaça forte.
Cachaça. Beberei um pouco cachaça assim que chegar em casa. Uma cachaça para esquentar meu corpo.


Jônatas Mário Morais.

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